Os preços das principais commodities agrícolas do Brasil, uma potência agrícola global, têm atingido patamares
recordes, sendo que produtos como soja, milho, arroz, café, leite e boi estão em máximas nominais ou reais, com o
câmbio e a forte demanda citados entre os principais fatores de alta.
As máximas históricas nominais não consideram a inflação, mas alguns produtos efetivamente estão nos maiores
níveis de preços, já levando em conta valores deflacionados, como é o caso do boi, bezerro, suíno, arroz e leite,
conforme levantamentos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP.
A soja, principal produto do agronegócio brasileiro, está perto de atingir um recorde de todos os tempos, segundo
dados do Cepea, com o produto batendo 137,76 reais por saca no porto de Paranaguá (PR) na segunda-feira,
menos de 2 reais abaixo dos cerca de 139 reais vistos em 2012 --considerando já o valor deflacionado.
No caso da soja do Brasil, maior produtor e exportador global, cuja safra foi histórica 2020 mas ao mesmo tempo
dragada pela forte demanda da China, a alta no preço é de mais de 50% na comparação com a mesma data do
ano passado.
O apetite chinês, que fez o país exportar volumes recordes nos primeiros sete meses do ano, mostra também como
a alta dos preços está relacionada à demanda, com um câmbio na maior parte do ano acima de 5 reais por dólar
ajudando a impulsionar embarques brasileiros por tornar os produtos nacionais ainda mais competitivos.
"A taxa de cambio levou a um deslocamento de preços, isso vai acontecer para todos os produtos, e isso fez com
que o produto tivesse um preço mais baixo (para quem compra do Brasil) e favoreceu a exportação, enquanto
encarece a importação (pelo Brasil)", disse o professor da Esalq/USP e especialista do Cepea Lucílio Alves.
Nesse sentido, para ele, não parecem muito efetivas ideias que circularam recentemente no governo para a
retirada de tarifa de importação de soja, milho e arroz, com o objetivo de reduzir preços internos.
"Se os importadores estão batendo na porta, como nós vamos conseguir um produto mais barato lá fora?", disse
Alves, comentando uma reivindicação da indústria de carnes, cujos custos da ração aumentaram.
Além do "choque de demanda" externa, Alves citou que a indústria de soja também registra, não só no Brasil, boas
margens de esmagamento, com as receitas de farelo e óleo aumentando, diante da fome da indústria de carnes e
de biodiesel.
CAFÉ
No caso do café, a alta de preços do arábica chega a mais de 45% em 12 meses, apesar de o Brasil estar
encerrando o que o mercado considera ser uma safra recorde.
"É surpreendente esse cenário... estamos finalizando colheita de muito boa produtividade, bom padrão, boa
peneira..." disse o pesquisador do Cepea Renato Garcia Ribeiro.
O preço do café, entretanto, está distante do recorde em termos reais, registrado em maio de 1997, de mais de
1.400 reais a saca (valor deflacionado), mas poucas vezes o mercado viu um valor nominal acima de 600 reais na
série do Cepea, como acontece desde a semana passada, com registro de recordes nominais.
Segundo ele, a sustentação dos preços em plena pandemia se dá, além do câmbio, pelo fato de o Brasil estar
ganhando mercado no exterior e também porque aparentemente o consumo não foi tão afetado como se
imaginava.
CEREAIS
No milho, outro produto que o Brasil está colhendo uma safra recorde, a cotação subiu mais de 65% em 12 meses,
para um novo recorde nominal acima de 60 reais por saca, segundo dados do Cepea. E o dólar, além da demanda
interna e exportadora, também ajuda na competitividade brasileira.
"Este ano, todos os recordes de preços vêm de choque de demanda, é um choque de demanda quando temos
uma situação estrutural e política que está elevando a taxa de câmbio", resumiu Alves, do Cepea.
Para o especialista, o auxílio governamental do Brasil em função da Covid-19 também tem favorecido a compra de
arroz e trigo pela população, prova disso é que esses produtos estão com maiores altas entre os da cesta básica.
O arroz cotado pelo Cepea subiu mais de 100% em 12 meses, enquanto o trigo também registrou recorde mais
cedo neste ano, embora agora este mercado tenha visto um arrefecimento, com a proximidade da colheita do
Brasil.
"A partir do momento que as família ficam mais em casa, passam a demandar produtos de mais fácil preparo, caso
do arroz", notou Alves, lembrando que os estoques desse produto básico vinham baixos.
Mesmo o algodão, um dos mercados mais afetados negativamente pela pandemia, vem se recuperando, na esteira
do câmbio firme, e subiu 16% em agosto, segundo os dados do Cepea.
O açúcar cristal, por sua vez, já subiu quase 40% considerando o valor de um ano atrás, apesar da expectativa de
produção recorde no Brasil.
"Atribuo isso ao fato de estar exportando muito, a demanda interna não caiu, as pessoas estão dentro de casa e
estão consumindo açúcar, até mais do que antes", disse a pesquisadora do Cepea Heloisa Lee Burnquist.
CARNES
No boi gordo, com uma redução na oferta de gado devido ao ciclo pecuário, queda na produção de carne, firme
demanda externa e câmbio favorável a exportações, a tendência é que as cotações do animal sigam em nível
recorde, exigindo maior desembolso dos frigoríficos, disseram analistas à Reuters na semana passada.
Isso também tem levado preço do bezerro para valores também recordes, enquanto o valor do suíno vivo também
está entre os maiores da história nas principais praças, segundo o Cepea, em meio a fortes importações de carne
pela China.
Na véspera, o Cepea ainda relatou preço recorde real do leite na média Brasil, com a alta atrelada à maior
competição entre as indústrias de laticínios para garantir a compra de matéria-prima, em um momento de oferta
limitada no campo e de recuperação da demanda. Com informações da Reuters.