A situação atual da cria na pecuária de corte brasileira é dos temas
que mais me interessa e motiva. A cria é muito pouco estudada e
avaliada. É o gargalo da pecuária, é o elo mais fraco, que dá o ritmo de
expansão da atividade. Se conhecermos mais a cria, como atividade
econômica, fica mais fácil analisar os ciclos produtivos, fazer previsão
de preços e volume de oferta no médio-longo prazo.
Esses dados abaixo me levaram a uma reflexão sobre o que podemos esperar da cria nos próximos anos.
Fonte: Exagro, maio 2011.
A cria é uma atividade que carrega uma série de mitos, ou pré-julgamentos. Abaixo avalio uma série de percepções minhas.
Cria é uma atividade de baixa rentabilidade. Acredita-se que a cria
garante rentabilidade menor do que a recria e engorda e a tabela
confirma isso. Mas é possível ir mais fundo e avaliar uma série de
nuances.
A cria cresce menos que a recria e engorda. Avança menos em
tecnologia. É o gargalo da pecuária de corte. Um ponto interessante é
que com a profissionalização da pecuária, com cada vez mais gente
calculando seus custos e avaliando economicamente suas opções, a cria
tenderia a ficar em segundo plano, pois quem mede (e percebe que rende
menos), iria para outras atividades.
Um contra-ponto: avaliando-se a rentabilidade média nas colunas
“clientes”, é melhor fazer apenas cria, do que cria-recria-engorda
(ciclo completo). Uma indicação de que o foco traz melhores resultados.
No entanto, o valor máximo é bem superior para quem faz C-R-E do que
quem apenas cria.
Cria é uma atividade de longo prazo. Isso gera menos opções de
financiamento. Um maior risco e complexidade ao se avaliar um projeto.
Isso diminui a chance de alguns perfis de produtores entrarem na
atividade e também dificulta quem já atua nessa área a se expandir, com
recursos de terceiros. Os projetos de integração, onde o comprador do
bezerro fornece insumos, tecnologia e serviços em troca de uma garantia
de fornecimento e preço ainda são escassos. Gostaria de conhecer mais
projetos nesse sentido e estudá-los.
Outro mito que eu tinha é que quem faz cria profissional, faz ciclo
completo, para não perder renda, não repassar o lucro para frente.
Acreditava que devido a isso, seria cada vez mais difícil comprar
bezerros de alta qualidade. Analisando a tabela, começo a acreditar que
isso não será regra. Com perspectivas de bons preços de venda de
bezerros e os ganhos de se focar e se especializar em apenas uma
atividade devem estimular o surgimento de criadores com elevada
tecnologia e especialização na cria de alta qualidade (e alto preço).
Vale lembrar que tecnologia é fazer mais com menos ou pelo menos
fazer mais com os mesmos recursos. E não usar essa ou aquela técnica ou
produto.
Analisando-se a tabela pode-se inferir que quem faz recria e engorda
com alta rentabilidade é muito bom em duas áreas: 1-produção e
2-comercialização (compra e venda de animais). Ou seja, precisa produzir
com muita eficiência, ao mesmo tempo em que avalia o mercado e compra e
vende seus animais em bons momentos, de forma sincronizada com a
capacidade de lotação da fazenda (que varia ao longo do ano).
Fica muito claro que quem tem alto lucro na pecuária consegue
orquestrar muito bem a parte de produção com a comercialização. Quando
compra, quando vende e como opera os animais na fazenda nesse meio
tempo. São muitas variáveis, em áreas de conhecimento muito diferentes.
Quem faz cria com alta rentabilidade é muito bom em produção e também
deve ser em comercialização, mas como não compra animais (em grande
volume) o ganho em rentabilidade viria da venda bem feita. Há gente que
fale que a cria é para quem não gosta de negociar, mas fica fácil de
perceber que quem ganha na cria, vende muito bem seus animais.
O estudo também levantou números de outras fazendas, que chamaram de
“diagnósticos”. Nessas fazendas, a rentabilidade média variou muito. As
que fazem cria tem apenas R$ 13,70/ha de rentabilidade. E quem faz
recria/engorda tem em média R$ 65,10/ha, ou seja, quase 5 vezes mais
lucro por ha. Com menos eficiência, provavelmente produtiva e comercial,
se percebe duas coisas: a rentabilidade é muito distante das fazendas
de alto nível e mais ainda, a diferença de lucratividade entre as
atividades é muito grande.
Entre os clientes da Exagro, a rentabilidade média varia muito menos.
Na cria é de R$ 146,50/ha e na recria/engorda (atividade com maior
média) é de R$ 154,10/ha. Ou seja, menos de 10% mais alto. Na
rentabilidade máxima, entre os clientes da empresa, a variação fica bem
maior. De R$ 232,10/ha na cria para R$ 353,70/ha na recria/engorda, 50%
mais alto.
Primeira observação, óbvia: a disparidade de rentabilidade entre
fazendas é enorme, mesmo fazendo a mesma atividade. A renda média da
cria “diagnósticos” é quase 11 (onze!) vezes menor do que a média dos
clientes da consultoria. Isso mostra como há espaço para se melhorar a
rentabilidade da pecuária como um todo, e com isso ainda aumentar
produção, sustentabilidade e até qualidade da carne de uma só vez.
Produção eficiente pode trazer tudo isso junto.
E a migração para outras atividades, como cana e grãos? Um criador
com menos de R$20/ha vai muito facilmente arrendar suas terras para
qualquer atividade agrícola que apareça na sua região. Até mesmo quem
lucra R$ 65/ha por ano ficará muito tentado. Por outro lado, quem está
na casa dos R$ 200-300/ha ano não irá migrar tão facilmente.
Existe a impossibilidade de se abrir novas áreas, por questões
ambientais. A fronteira é onde tradicionalmente a cria cresce e é uma
fonte de bezerros baratos. A pressão agrícola por áreas de pecuária vai
aumentar daqui em diante. Ou seja, com mais agricultura e mais
dificuldade na abertura de novas áreas, a pecuária vai encolher em área.
Mas pode aumentar a produção mesmo com área menor. A chave é produção
eficiente.
Me perguntam com frequencia se é melhor fazer cria ou recria/engorda.
Acredito que a resposta depende da vocação da pessoa, da fazenda e da
região. É claro que na média, a recria-engorda é mais rentável, mas
acredito muito num futuro promissor para a cria.
Flutuações de preços devido aos ciclos de produção vão continuar a
existir e outros fatores, como o crescimento mundial vão continuar a
influenciar os preços pecuários.
Escassez gera bons preços. Essa é uma verdade que deve continuar
valendo para o preço do bezerro por vários fatores. A velocidade com que
a cria avança ainda é menor do que a recria-engorda. A rentabilidade é
em muitos casos menor ou muito menor. A área da cria vai diminuir.
A demanda por carne bovina é crescente e não existe carne sem bezerro
(pelo menos por enquanto). Continuamos a ter ciclos, mas o patamar de
preço do bezerro deve ser mais alto. Tudo isso me leva a crer que
planejar a atividade de recria-engorda mirando no lucro que vinha da
compra de bezerros baratos não me parece uma estratégia vencedora daqui
em diante.
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