Roberto Carvalheiro (GenSys)apresentou palestra sobre o melhoramento
genético bovino e sua influência para a pecuária de cria no Workshop Pecuária de Cria, organizado pelo BeefPoint em São Paulo, nos dias 11 e 12/jun.
Nos primeiros slides, o especialista já sugere uma quebra de
paradigma para o melhoramento genético em bovinos, explicando que o
modelo de seleção genética aplicada ao melhoramento de aves e suínos não
reflete o melhoramento genético de bovinos.
Ou seja, Roberto explica que este modelo, em que há um rebanho de
selecionadores, um rebanho multiplicador do material genético e o
rebanho comercial, não reflete a realidade da bovinocultura de corte. Do
ponto de vista do especialista, “todo criador é um selecionador”, pois
escolhe quais animais colocará em reprodução, quais de suas vacas e
quais touros (ou sêmen) utilizará, tomando assim decisões de seleção
genética.
Porém, segundo Cavalheiro, “nem todo selecionador promove
melhoramento genético do seu rebanho”. Isso porque a escolha das
características a serem selecionadas deve ser tomada da melhor forma
possível, considerando todas suas variáveis e consequências de seleção.
Por exemplo, em um trabalho na Nova Zelândia de 15 anos de seleção
para melhoramento de peso de bezerro aos 13 meses de idade, a eficiência
do sistema de produção permaneceu a mesma, mesmo com os bezerros 17%
mais pesados ao sobreano após 15 anos de seleção. Isso ocorreu pois ao
selecionar maior peso de bezerros, as vacas mais pesadas também foram
selecionadas indiretamente, aumentando em 12% o peso médio das matrizes e
assim o consumo de alimento necessário para o sistema ficou maior,
diminuindo a eficiência. “Houve resposta correlacionada do peso maduro
da vacada, e vacas mais pesadas consomem mais”, explica Carvalheiro.
Como demonstado na tabela acima, a eficiência entre o rebanho
selecionado e o não selecionado (controle) permaneceu praticamente a
mesma após 15 anos de melhoramento, pois para um mesmo consumo total e
mesma área, o número de matrizes mais pesadas diminuiu e desmamaram
bezerros mais pesados. Comparando com o rebanho controle, o número de
matrizes ficou o mesmo, desmamando bezerros mais leves.
Desta forma, o consultor enfatiza que é necessário atenção em quais
características eleger para o melhoramento, e assim direcionar todo o
esforço, tempo e dinheiro para uma seleção que resulte em melhoria de
eficiência do sistema de produção ao longo do tempo.
Dentro desta visão holística sugerida por Carvalheiro, os pontos
abordados por ele foram todos relacionados com as fontes de receita de
um sistema de produção de cria: descarte de vacas, venda de bezerros e
descarte de novilhas.
A primeira fonte citada foi o descarte de matrizes, pois pode
representar 40% da receita de um sistema de cria, e ao mesmo tempo, o
custo de mantença dos animais em um sistema é em torno de 50%. Ou seja,
quanto maior o peso das vacas, maior a receita com o descarte e maior o
custo de mantença do sistema. Lembrando que o peso ideal para o rebanho é
dependente do sistema em que está inserido: qualidade do ambiente e
potencial genético de produtividade.
Sobre a venda de bezerros, Carvalheiro enfatiza que é a
principal fonte de renda de um sistema de cria, representando de 45 a
60% da receita do sistema. Portanto, ele questiona quais
caracterísitcas enfatizar em um programa a de melhoramento para aumentar
a eficiência de produção.
O principal ponto a levar em consideração pelo palestrante é a
relação e adequação entre vaca, bezerro e sistema de produção. Esse
fator é, segundo Carvalheiro, a maior razão pelo qual a raça Nelore se
adaptou no sistema Tropical no Brasil. Outro ponto a se considerar para
animais zebuínos são as características de fertilidade, como idade ao
primeiro parto e reconcepção de primíparas, “o grande gargalo da
pecuária de cria nacional” comenta Carvalheiro.
Além desses pontos de fertilidade, Roberto relembra que vacas gordas
geram receita, e que taxas de concepção acima de 90% são “utópicas”
segundo Carvalheiro. Abater vacas prenhes e/ou manter vacas velhas no
rebanho não é viável, pois desta maneira se diminui a reposição de
novilhas, aumentando o intervalo entre gerações e aumentando o rebanho
de vacas eradas, deixando assim a capacidade suporte do sistema com
menos animais por área. É preciso encontrar o ponto ótimo entre a taxa
de prenhez e taxa de descarte de cada propriedade para se chegar à
máxima eficiência econômica.
A habilidade materna é outra característica a se ter cuidado em
melhoramento genético. Carvalheiro chama a atenção que quanto maior esta
habilidade, maior será a exigência energética da vaca pela maior
produção de leite. Aumentando assim a necessidade de alimento,
diminuindo o número de animais viáveis em uma mesma área. Portanto é
importante não melhorar em excesso tal característica.
Ainda na questão da produção de bezerros, relacionando os recursos
necessários (inputs) e os animais produzidos (outputs), Roberto acredita
que mesmo um criador, sem recria e engorda, deve considerar em seu
sistema de produção que seu bezerro será a carcaça e a carne de amanhã,
por isso a seleção do touro (sêmen) deve ser criteriosa, levando em
consideração que há reprodutores que apresentam progênies boas para peso
a desmama porém com maus resultados para o peso ao sobreano.
Desta forma, mesmo um criador deve selecionar qual touro utilizar
analisando além de somente características na desmama, pois pensando em
trabalhos de longo-prazo, seus clientes recriadores podem deixar de
fazer negócio por notarem mau desempenho dos animais após a desmama.
Na seleção de bezerros, Roberto comenta que é importante focar
características complementares, e não só no peso do animal. Um bezerro
pesado pode ser tardio, alto, sem musculosidade. A avaliação visual
visando a seleção de acordo com a composição da carcaça deve ser
utilizada.
Mesmo sendo a menor parte da receita de um sistema de cria (até
5%), Carvalheiro diz que a reposição de novilhas é importante para a
longevidade da produção, mantendo sua eficiência reprodutiva e
econômica.
Partindo para outro tópico de sua apresentação, Roberto lança a
questão: “o que é uma vaca eficiente?” e apresenta uma resposta de
pesquisadores dizendo que a eficiência de uma matriz é dependente do
desempenho de sua cria (peso e composição de carcaça), custo de mantença
e fertilidade.
Desta forma, os autores montaram um estudo
comparando vacas de diferentes raças taurinas em diferentes condições de
consumo de matéria seca (MS) para avaliar e comparar suas eficiências.
De maneira geral, vacas de maior porte (frame) tiveram melhor
eficiência em situação com maior disponibilidade de MS. A forma
contrária também verdadeira: vacas de menor porte tiveram melhor
eficiência em sistemas com menor consumo de MS.
A eficiência foi medida em produção de
bezerro (grama de peso a desmama produzido por bezerro), dependendo da
ingestão de MS (kg) por vaca e número de vacas expostas no sistema.
Complementando o estudo, Carvalheiro estimou a eficiência da vaca
Nelore para compará-la com as raças do estudo. Portanto, utilizando
dados de uma vaca de 430kg de peso vivo, peso do bezerro a desmama de
190kg com taxa de prenhez de 80%, o consumo estimado seria de
3.100kg/MS/ano (2% peso vivo) com eficiência de 49g, ou seja, mais
eficiente em sistemas de baixo consumo de MS do que as raças do estudo
original.
Assim, o consultor conclui que o potencial da vaca Nelore é enorme
devido ao tamanho do patrimônio nacional, e por isso a responsablidade
técnica é de muita importância neste ponto. Além do mais, a vaca
brasileira tem este potencial com sua nutrição baseada em pastagens
brasileiras, de menor qualidade comparada à dieta fornecida às raças
taurinas do estudo.
Pensando em melhoramento genético para vacas de alta eficiência,
Carvalheiro cita um índice criado chamado Retorno Maternal (RMat), para
ser utilizado em seleção de touros produtores de fêmeas mais eficientes.
O principais fatores de seleção para estes touros são o desempenho da
progênie (produtividade, conformação, musculosidade), precocidade
sexual, longevidade (permanência produtiva: quantos produtos até 4,5 nos
de idade) e custo de mantença (peso maduro das fêmeas).
Utilizando-se dados para demonstrar a utilização do índice,
observa-se que a fêmea com melhor índice RMat (kg/ano) é a fêmea precoce
(1o parto antes dos 30 meses de idade), com permanência
produtiva (dois bezerros até 4 anos de idade) e com crias de desempenho
superior.
Comparando fêmeas precoces e não precoces, o índice indica que mesmo
parindo antes dos 30 meses de idade, a vaca pode ter um índice menor do
que vacas não precoces, caso a primeira não tenha longevidade, ou seja,
não parir duas vezes até os quatro anos de idade. No mesmo raciocínio
entre vacas precoces e não precoces, caso ambas tenham longevidade (duas
crias até os 04 anos de idade), o desenpenho da progênie determinará o
índice, favorecendo a matriz com progênie de desempenho superior.
Avaliando os touros e classificando-os, percebe-se que as matrizes de
melhor RMat são a progênie dos touros melhor avaliados. E comparando o
RMat médio das fêmeas avaliadas e classificadas em relação aos touros, a
diferença chega em 1@/matriz/ano. As matrizes filhas dos melhores
touros tiveram RMat médio de 75 kg/ano, e as vacas filhas dos touros
pior avaliados tiveram RMat médio de 43,9 kg/ano.
Finalizando, Carvalheiro diz que há diversas características para se
preocupar em melhoramento e que há diversos índices de seleção
utilizados no país. Hoje são consideradas mais carcterísticas, o
melhoramento está evoluindo comparado com anos atrás, quando somente o
peso dos animais era considerado. Desta forma, a atenção sobre quais
características selecionar torna-se mais importante devido a suas
interações.
Os marcadores moleculares irão contribuir ainda mais no melhoramento
genético, tornando mais preciso o processo de prdição de resultados de
cada característica. As biotécnicas reprodutivas (IATF, FIV) já estão e
irão contribuir ainda mais para o melhoramento genético, principalmente
para a reposição de fêmeas Nelore, já que a produção de cruzamento vem
aumentando. Para o futuro, ele enfatiza que a atividade de cria deverá
se tecnificar e se especializar cada vez mais, para produzir assim um
bezerro com diferencial de mercado que viabilize economicamente o
sistema de produção.
Roberto Cavalheiro, Zootecnista formado na Univ. Federal de Lavras,
mestre e doutor em genética e melhoramento animal pela UNESP, com
pós-doutorado na University of New England, Austrália. Atua desde 2004
como consultor em melhoramento genético animal na empresa GenSys.