domingo, 27 de dezembro de 2015

Contribuição do melhoramento genético para a pecuária de cria

Roberto Carvalheiro (GenSys)apresentou palestra sobre o melhoramento genético bovino e sua influência para a pecuária de cria no Workshop Pecuária de Cria, organizado pelo BeefPoint em São Paulo, nos dias 11 e 12/jun.
Nos primeiros slides, o especialista já sugere uma quebra de paradigma para o melhoramento genético em bovinos, explicando que o modelo de seleção genética aplicada ao melhoramento de aves e suínos não reflete o melhoramento genético de bovinos.
Ou seja, Roberto explica que este modelo, em que há um rebanho de selecionadores, um rebanho multiplicador do material genético e o rebanho comercial, não reflete a realidade da bovinocultura de corte. Do ponto de vista do especialista, “todo criador é um selecionador”, pois escolhe quais animais colocará em reprodução, quais de suas vacas e quais touros (ou sêmen) utilizará, tomando assim decisões de seleção genética.
Porém, segundo Cavalheiro, “nem todo selecionador promove melhoramento genético do seu rebanho”. Isso porque a escolha das características a serem selecionadas deve ser tomada da melhor forma possível, considerando todas suas variáveis e consequências de seleção.
Por exemplo, em um trabalho na Nova Zelândia de 15 anos de seleção para melhoramento de peso de bezerro aos 13 meses de idade, a eficiência do sistema de produção permaneceu a mesma, mesmo com os bezerros 17% mais pesados ao sobreano após 15 anos de seleção. Isso ocorreu pois ao selecionar maior peso de bezerros, as vacas mais pesadas também foram selecionadas indiretamente, aumentando em 12% o peso médio das matrizes e assim o consumo de alimento necessário para o sistema ficou maior, diminuindo a eficiência. “Houve resposta correlacionada do peso maduro da vacada, e vacas mais pesadas consomem mais”, explica Carvalheiro.
Como demonstado na tabela acima, a eficiência entre o rebanho selecionado e o não selecionado (controle) permaneceu praticamente a mesma após 15 anos de melhoramento, pois para um mesmo consumo total e mesma área, o número de matrizes mais pesadas diminuiu e desmamaram bezerros mais pesados. Comparando com o rebanho controle, o número de matrizes ficou o mesmo, desmamando bezerros mais leves.
Desta forma, o consultor enfatiza que é necessário atenção em quais características eleger para o melhoramento, e assim direcionar todo o esforço, tempo e dinheiro para uma seleção que resulte em melhoria de eficiência do sistema de produção ao longo do tempo.
Dentro desta visão holística sugerida por Carvalheiro, os pontos abordados por ele foram todos relacionados com as fontes de receita de um sistema de produção de cria: descarte de vacas, venda de bezerros e descarte de novilhas.
  • Vacas descarte
A primeira fonte citada foi o descarte de matrizes, pois pode representar 40% da receita de um sistema de cria, e ao mesmo tempo, o custo de mantença dos animais em um sistema é em torno de 50%. Ou seja, quanto maior o peso das vacas, maior a receita com o descarte e maior o custo de mantença do sistema. Lembrando que o peso ideal para o rebanho é dependente do sistema em que está inserido: qualidade do ambiente e potencial genético de produtividade.
  •  Venda de bezerros
Sobre a venda de bezerros, Carvalheiro enfatiza que é a principal fonte de renda de um sistema de cria, representando de 45 a 60% da  receita do sistema. Portanto, ele questiona quais caracterísitcas enfatizar em um programa a de melhoramento para aumentar a eficiência de produção.
O principal ponto a levar em consideração pelo palestrante é a relação e adequação entre vaca, bezerro e sistema de produção. Esse fator é, segundo Carvalheiro, a maior razão pelo qual a raça Nelore se adaptou no sistema Tropical no Brasil. Outro ponto a se considerar para animais zebuínos são as características de fertilidade, como idade ao primeiro parto e reconcepção de primíparas, “o grande gargalo da pecuária de cria nacional” comenta Carvalheiro.
Além desses pontos de fertilidade, Roberto relembra que vacas gordas geram receita, e que taxas de concepção acima de 90% são “utópicas” segundo Carvalheiro. Abater vacas prenhes e/ou manter vacas velhas no rebanho não é viável, pois desta maneira se diminui a reposição de novilhas, aumentando o intervalo entre gerações e aumentando o rebanho de vacas eradas, deixando assim a capacidade suporte do sistema com menos animais por área. É preciso encontrar o ponto ótimo entre a taxa de prenhez e taxa de descarte de cada propriedade para se chegar à máxima eficiência econômica.
A habilidade materna é outra característica a se ter cuidado em melhoramento genético. Carvalheiro chama a atenção que quanto maior esta habilidade, maior será a exigência energética da vaca pela maior produção de leite. Aumentando assim a necessidade de alimento, diminuindo o número de animais viáveis em uma mesma área. Portanto é importante não melhorar em excesso tal característica.
Ainda na questão da produção de bezerros, relacionando os recursos necessários (inputs) e os animais produzidos (outputs), Roberto acredita que mesmo um criador, sem recria e engorda, deve considerar em seu sistema de produção que seu bezerro será a carcaça e a carne de amanhã, por isso a seleção do touro (sêmen) deve ser criteriosa, levando em consideração que há reprodutores que apresentam progênies boas para peso a desmama porém com maus resultados para o peso ao sobreano.
Desta forma, mesmo um criador deve selecionar qual touro utilizar analisando além de somente características na desmama, pois pensando em trabalhos de longo-prazo, seus clientes recriadores podem deixar de fazer negócio por notarem mau desempenho dos animais após a desmama.
Na seleção de bezerros, Roberto comenta que é importante focar características complementares, e não só no peso do animal. Um bezerro pesado pode ser tardio, alto, sem musculosidade. A avaliação visual visando a seleção de acordo com a composição da carcaça deve ser utilizada.
  •  Descarte de novilhas
Mesmo sendo a menor parte da receita de um sistema de cria (até 5%), Carvalheiro diz que a reposição de novilhas é importante para a longevidade da produção, mantendo sua eficiência reprodutiva e econômica.
Partindo para outro tópico de sua apresentação, Roberto lança a questão: “o que é uma vaca eficiente?” e apresenta uma resposta de pesquisadores dizendo que a eficiência de uma matriz é dependente do desempenho de sua cria (peso e composição de carcaça), custo de mantença e fertilidade.
Desta forma, os autores montaram um estudo comparando vacas de diferentes raças taurinas em diferentes condições de consumo de matéria seca (MS) para avaliar e comparar suas eficiências. De maneira geral, vacas de maior porte (frame) tiveram melhor eficiência em situação com maior disponibilidade de MS. A forma contrária também verdadeira: vacas de menor porte tiveram melhor eficiência em sistemas com menor consumo de MS.
A eficiência foi medida em produção de bezerro (grama de peso a desmama produzido por bezerro), dependendo da ingestão de MS (kg) por vaca e número de vacas expostas no sistema.
Complementando o estudo, Carvalheiro estimou a eficiência da vaca Nelore para compará-la com as raças do estudo. Portanto, utilizando dados de uma vaca de 430kg de peso vivo, peso do bezerro a desmama de 190kg com taxa de prenhez de 80%, o consumo estimado seria de 3.100kg/MS/ano (2% peso vivo) com eficiência de 49g, ou seja, mais eficiente em sistemas de baixo consumo de MS do que as raças do estudo original.
Assim, o consultor conclui que o potencial da vaca Nelore é enorme devido ao tamanho do patrimônio nacional, e por isso a responsablidade técnica é de muita importância neste ponto. Além do mais, a vaca brasileira tem este potencial com sua nutrição baseada em pastagens brasileiras, de menor qualidade comparada à dieta fornecida às raças taurinas do estudo.
Pensando em melhoramento genético para vacas de alta eficiência, Carvalheiro cita um índice criado chamado Retorno Maternal (RMat), para ser utilizado em seleção de touros produtores de fêmeas mais eficientes. O principais fatores de seleção para estes touros são o desempenho da progênie (produtividade, conformação, musculosidade), precocidade sexual, longevidade (permanência produtiva: quantos produtos até 4,5 nos de idade) e custo de mantença (peso maduro das fêmeas).
Utilizando-se dados para demonstrar a utilização do índice, observa-se que a fêmea com melhor índice RMat (kg/ano) é a fêmea precoce (1o parto antes dos 30 meses de idade), com permanência produtiva (dois bezerros até 4 anos de idade) e com crias de desempenho superior.
Comparando fêmeas precoces e não precoces, o índice indica que mesmo parindo antes dos 30 meses de idade, a vaca pode ter um índice menor do que vacas não precoces, caso a primeira não tenha longevidade, ou seja, não parir duas vezes até os quatro anos de idade. No mesmo raciocínio entre vacas precoces e não precoces, caso ambas tenham longevidade (duas crias até os 04 anos de idade), o desenpenho da progênie determinará o índice, favorecendo a matriz com progênie de desempenho superior.
Avaliando os touros e classificando-os, percebe-se que as matrizes de melhor RMat são a progênie dos touros melhor avaliados. E comparando o RMat médio das fêmeas avaliadas e classificadas em relação aos touros, a diferença chega em 1@/matriz/ano. As matrizes  filhas dos melhores touros tiveram RMat médio de 75 kg/ano, e as vacas filhas dos touros pior avaliados tiveram RMat médio de 43,9 kg/ano.
Finalizando, Carvalheiro diz que há diversas características para se preocupar em melhoramento e que há diversos índices de seleção utilizados no país. Hoje são consideradas mais carcterísticas, o melhoramento está evoluindo comparado com anos atrás, quando somente o peso dos animais era considerado. Desta forma, a atenção sobre quais características selecionar torna-se mais importante devido a suas interações.
Os marcadores moleculares irão contribuir ainda mais no melhoramento genético, tornando mais preciso o processo de prdição de resultados de cada característica. As biotécnicas reprodutivas (IATF, FIV) já estão e irão contribuir ainda mais para o melhoramento genético, principalmente para a reposição de fêmeas Nelore, já que a produção de cruzamento vem aumentando. Para o futuro, ele enfatiza que a atividade de cria deverá se tecnificar e se especializar cada vez mais, para produzir assim um bezerro com diferencial de mercado que viabilize economicamente o sistema de produção.
Roberto Cavalheiro, Zootecnista formado na Univ. Federal de Lavras, mestre e doutor em genética e melhoramento animal pela UNESP, com pós-doutorado na University of New England, Austrália. Atua desde 2004 como consultor em melhoramento genético animal na empresa GenSys.

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