"Os bons resultados obtidos nos leilões são puro reflexo do trabalho realizado na base" Antônio José
Junqueira Vilela: pecuarista
O criador Antônio José Junqueira Vilela, conhecido como AJJ,
conseguiu unir os dois elos da pecuária: a genética de ponta a um dos
maiores rebanhos comerciais do País. O resultado é um modelo de sucesso
que traz lições para grandes e pequenos pecuaristas.
A cada ano, os leilões da raça nelore movimentam cerca de R$ 550
milhões no País. Vacas que têm potencial para se tornar grandes doadoras
de embriões são vendidas a peso de ouro e a lógica desse mercado parte
de uma premissa: a de que a qualidade genética exibida no topo da
pirâmide acabará descendo para a base do rebanho nacional de 200 milhões
de cabeças de gado. O resultado desse fenômeno é o choque de qualidade
na pecuária nacional. Animais que eram abatidos com cinco ou seis anos
de idade, hoje vão para os frigoríficos aos 30 meses - e muito mais
bem-acabados. Portanto, o giro financeiro nas fazendas se dá de forma
mais rápida. No entanto, poucos são os pecuaristas que conseguem estar
ao mesmo tempo na base e no topo da pirâmide.
Um deles é Antônio José Junqueira Vilela, que vem se tornando uma das
grandes referências do setor. Desde 2000, quando passou a disputar em
pista, ele fez duas grandes campeãs e levou outros sete prêmios na
Expozebu, a principal exposição do País. E conseguiu tal proeza
melhorando seu rebanho dentro de casa, sem o auxílio de especialistas.
Além disso, conseguiu o que para muitos parecia impossível: multiplicar
essa genética num rebanho de 60 mil cabeças. AJJ, como é chamado, não é
um criador típico. Ao contrário do que faz a maioria dos pecuaristas,
ele está presente em toda a cadeia, ou seja, na cria, na recria e na
engorda. Suas fazendas, portanto, se tornaram, nos últimos anos,
verdadeiras pistas de testes em que o desenvolvimento dos animais para
corte se dá de forma plena: da genética ao bife.
Elite Aqui, Corte Lá: mesmo com a produção integrada, AJJ mantém seu
rebanho de elite separado do rebanho comercial. Enquanto os nelore PO
ficam em São Paulo, o gado de corte fica no norte de Mato Grosso
Apenas com a venda de dez mil cabeças por ano, estima-se que AJJ
fature algo em torno de R$ 15 milhões. Fora a venda de torinhos, que
pode render mais R$ 1 milhão ao ano, e de animais de elite, que no ano
passado superou a marca dos R$ 2 milhões nos leilões. Um negócio
rentável e que mostra seus resultados na prática. "Genética só faz
sentido se for traduzida em dinheiro no bolso do pecuarista", diz ele,
lembrando que, diferentemente do mercado de elite, o gado de corte é um
negócio real.
"Você faz uma planilha em janeiro e sabe quanto vai faturar no final
do ano. Existe uma pequena variação de acordo com o preço da arroba, mas
é muito pouco, não chega a 10%. Já no gado de elite você pode ganhar um
milhão em um leilão e levar prejuízo em outro, cuja expectativa era a
de lucrar ainda mais." Por isso, prefere manter os pés no chão e deixar a
genética apenas como um 'plus'.
Multiplicando Genética: para Felipe Picciani, o melhor que pode acontecer na pecuária é a aplicação do DNA de elite nos grandes rebanhos comerciais
Faz isso porque é do tipo de empresário que administra seus negócios na ponta do lápis. Sabe de cabeça cada recémdetalhe de sua criação, as cotações do dia, e faz questão de negociar pessoalmente com os frigoríficos. Para ele, uma arroba a mais no fim do ciclo significa mais dinheiro no bolso. E o melhoramento genético feito nos últimos 40 anos tem ajudado, e muito, seu crescimento como criador de gado de corte. "A melhor coisa que poderia acontecer para a pecuária nacional é o que o AJJ tem feito, que é aplicar genética de ponta no gado de corte", afirma o criador de elite Felipe Picciani. "É isso que vai aumentar a competitividade do País."
Na prática, a genética agregada ao corte significa ganhar mais dinheiro em menos tempo. Para se ter uma ideia, o ganho de peso do rebanho atual de Junqueira Vilela ultrapassa os dez quilos por mês, comparado com os menos de 3,5 quilos mensais dos primeiros nelores, quatro décadas atrás. Hoje ele mantém animais que poderiam ser considerados de elite em seu rebanho de corte, unindo de forma eficiente as duas pontas da cadeia. Mesmo focando seu negócio na base da pirâmide da pecuária, ele, de repente, se viu também no topo, com doadoras premiadas nas principais pistas do Brasil. Mas isso não se faz do dia para a noite.
Antônio José Junqueira Vilela tem a pecuária no sangue. Nascido na fazenda, cresceu ajudando o pai na lida do gado, mas ainda jovem decidiu iniciar um negócio próprio. Em 1967, aos 20 anos, ganhou a escritura de uma área de dez mil hectares no até então inexplorado Mato Grosso e partiu em busca do sonho de ser um criador grande e respeitado. Quando chegou, no entanto, percebeu que não teria como dar continuidade à criação de gir, até então principal raça de corte do País, devido à fragilidade do rebanho diante das condições adversas da região. Num primeiro momento pensou estar condenado, mas, após algumas pesquisas, chegou à conclusão de que o futuro da pecuária de corte passava por um gado recém - chegado da Índia e ainda pouco conhecido por aqui: o nelore.
Rústico e com uma capacidade de reprodução acima da média, o animal possuía as características ideais para a criação nos imensos pastos disponíveis no Cerrado. O único problema é que a raça ainda era pouco desenvolvida e seus melhores exemplares raramente ultrapassavam os 600 quilos. Mesmo assim, resolveu apostar. Hoje, aos 62 anos, possui cerca de 60 mil cabeças de nelore da mais alta qualidade - e que beiram os 1,2 mil quilos - em sua fazenda de 112 mil hectares em Mato Grosso. Mas foi um lote bem mais exclusivo mantido na cidade de Euclides da Cunha Paulista, no interior de São Paulo, que o consagrou como um dos maiores formadores da raça no Brasil.
Graças ao trabalho de décadas no melhoramento genético de seu rebanho de corte, acabou formando, quase sem querer, um plantel de doadoras de embriões do mais alto nível. A qualidade de seus animais era tanta que acabou chamando a atenção dos técnicos da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu(ABCZ), que o convidaram para expor seus animais em pista. A entrada de AJJ não poderia ter sido melhor. Logo na estreia, em 2000, um título em Uberaba. Depois, no ano seguinte, outro. E não parou mais.
"Ele é um 'midas' da criação: onde põe a mão vira ouro", diz
Carlos Viacava, ex-presidente da ACNB
"Só em Uberaba eu já ganhei quatro vezes como melhor criador
(2000/01, 2001/02, 2004/05 e 2005/06) e outras três vezes como melhor
expositor (2000/01, 2001/02 e 2005/06)", lembra o pecuarista. "Até que,
em 2008, fiz pela primeira vez uma grande campeã, a Obela FIV AJJ, que
depois foi também recordista de preço", continua o criador, que vendeu
50% dos direitos do animal por R$ 1,75 milhão para o condomínio formado
por João Carlos Di Gênio, Jonas Barcellos e Alice Ferreira.
Neste ano a história se repetiu.
Agora a estrela premiada da companhia é a doadora Parla, atual grande
campeã da Expozebu e que deve terminar o ano na liderança do ranking da
Associação dos Criadores de Nelore do Brasil. Parla, no entanto, não
deve ir a leilão. Desta vez AJJ, famoso por usar sua genética em causa
própria, quer faturar também com a venda dos embriões. E não deve ser
pouco. Se seguir os passos de sua irmã Obela, a genética da grande
campeã deverá render alguns milhões de reais ao ano ao criador. Sem
contar suas descendentes diretas, que com certeza farão grande sucesso
nos remates Brasil afora.
"O mercado já está aguardando com ansiedade a entrada dessa genética
no circuito dos leilões. Existe um potencial enorme para que se tornem
recordistas de preço, assim como a mãe", garante Paulo Horto, principal
leiloeiro do Brasil, lembrando de outros sucessos com a marca AJJ. "A
criação dele dispensa comentários. Alguém que forma estrelas como Parla,
Obela e Jatani não pode ser considerado um pecuarista convencional."
Até aqui, a história de Antonio José Junqueira Vilela é bem parecida
com a de muitos outros neloristas de elite, não fosse o fato de nunca
ter comprado sequer um animal milionário nos leilões. Segundo ele, seu
grande mérito é ser o formador de grandes campeãs.
Em uma analogia com o futebol, AJJ seria como os clubes brasileiros,
que formam jogadores de ponta e depois os vendem para a Europa, enquanto
os criadores mais jovens seriam clubes como o Real Madrid ou o Milan,
que investem caminhões de dinheiro em atletas já consagrados para formar
suas equipes.
"Meu trabalho é formar para depois vender ou aplicar no meu rebanho",
diz. "Eu gosto de mexer com o gado desde criança, então devo entender
alguma coisa. Nunca um técnico foi fazer acasalamento na minha fazenda.
Eu faço tudo", continua o pecuarista. A tese é comprovada por Carlos
Viacava, ex-presidente da ACNB e amigo de longa data de AJJ. "O homem
tem um olho especial para a criação. É um criador e selecionador nato,
um dom herdado de seu pai, Tarley Vilela. Por isso, quando começou no
nelore de elite, logo se destacou. Acho que ele é um 'midas da criação':
onde põe a mão logo vira ouro", conta Viacava.
Mesmo com todo o sucesso no restrito mundo dos leilões, AJJ é mais do
que tudo um fazendeiro. Faz questão de frisar isso a todo o momento e
seus hábitos simples provam que ele fala a verdade. Como bom mineiro que
é, toma seu café preto pela manhã, come alguns pães de queijo e sai
apressado para fazer o que mais gosta na vida: mexer com os animais.
Essa rotina se repete desde o início dos anos 1960, quando, ainda
adolescente, acompanhava seu pai - um dos maiores criadores da época -
na lida do gado gir da família.
Décadas se passaram, o gir foi substituído pelo nelore, mas ele nunca
perdeu o prazer de colocar a mão na massa. Faz isso porque o seu
negócio, garante, é o gado de corte, em que a margem de lucro é pequena e
qualquer imprevisto pode trazer grandes prejuízos. Segundo ele, a
máxima de que "os olhos do dono é que engordam o gado" é pura realidade.
Um dos desbravadores de Mato Grosso, Junqueira Vilela também ganhou
muito dinheiro com a compra e venda de terras na região. Nos anos 1970,
quando ainda existiam milhões de hectares disponíveis, era especialista
em comprar áreas virgens, abri-las e depois revendê-las por um valor
muito mais alto. Com o dinheiro ganho, comprava mais terras baratas e
fazia tudo de novo. Fez isso por mais de dez anos, período em que passou
de dez mil para mais de 200 mil hectares de terras espalhadas pelo
Estado.
Hoje já não atua mais no setor imobiliário. Vendeu todas as
propriedades e concentrou o seu gado em uma fazenda de 112 mil hectares
em Alta Floresta, no norte de Mato Grosso. Lá, mantém um rebanho de
corte com mais de 60 mil cabeças, tudo criado a pasto, o popular "boi
verde", tão valorizado nos últimos tempos. Segundo AJJ, o negócio é
garantido, tanto que jura nunca ter visto ninguém levar prejuízo na
atividade. Ressalva feita aos confinadores, que, segundo ele, gastam
muito em suplementos e muitas vezes não conseguem reaver o investimento.
"Genética Exige Tempo. Venho Melhorando Meu Gado H á 40 Anos"
De que forma a genética vem ajudando a pecuária de corte?
Quando chegou ao Brasil, o nelore ainda era muito fraco em termos de
produção de carne. Os melhores animais raramente chegavam aos 600
quilos. Com a introdução da genética, o rebanho foi melhorando até
chegar ao nível atual. Hoje temos animais que chegam aos 1,2 mil quilos e
dão muito mais retorno aos criadores. E melhor: em menos tempo.
Quando decidiu melhorar geneticamente seus animais?
No começo dos anos 1970. Eu comprava duas ou três mil vacas no
Pantanal, depois pegava alguns touros melhores do pessoal de Barretos e
colocava nessas vacas. Com o tempo o rebanho foi melhorando, mas eu só
fazia tourinhos para melhorar o meu rebanho de corte. Depois, trouxe o
que tinha de melhor para São Paulo, para aprimorar ainda mais. Comprei
alguma coisa em genética e o gado foi melhorando, melhorando,
melhorando, até chegar ao nível de hoje. Mas isso exige tempo. Venho
melhorando meu gado há 40 anos.
Como vê a pecuária atual? Ainda é um bom negócio?
Sem dúvida. A pecuária é uma atividade garantida, tanto que nunca vi
um criador quebrar. A não ser o confinador, que gasta muito com
suplementos e muitas vezes não consegue reaver o investimento. Quem mexe
com boi verde, criado a pasto, tem uma margem pequena, mas não leva
prejuízo nunca.
Com o melhoramento feito em casa, o sr. tem se dado bem também nos leilões, não?
Os bons resultados obtidos nos leilões são reflexo do trabalho feito
em pista. Se você vai bem nas principais competições, valoriza seus
animais e ganha mais dinheiro nos remates.
Mas o sr. não compra nada?
Eu compro sim, mas não pago esses preços exorbitantes. Recentemente,
comprei um animal excepcional por R$ 2 mil de parcela. Ela era tão boa
quanto as mais caras.
Como avalia esse mercado de elite? Os preços estão refletindo a realidade?
Esses animais milionários geralmente são extraordinários e tendem a
ter muito sucesso na produção. Assim, o pecuaristainvestidor consegue
ganhar um bom dinheiro com a venda de genética e pagar a conta em dois
ou três anos. Depois, é tudo lucro. Ninguém compra uma vaca de R$ 3
milhões para perder dinheiro.
O sr. ganhou muito dinheiro com terras também...
Eu comprei muita coisa em Mato Grosso quando as terras ainda eram
baratas. O valor pago era simbólico. Coisa de um dólar o hectare. Então,
eu comprava áreas grandes, abria a fazenda e depois vendia. Nesse
período eu cheguei a ter 200 mil hectares.
O sr. tem outros negócios rurais?
Tenho duas fazendas de cana de açúcar arrendadas para usinas. Em São
Paulo, a cana, hoje, dá mais retorno por hectare do que o gado. Além
disso, eles pagam em dia e não me dão dor de cabeça.
Do Gir Ao Nelore De Elite
Em 40 anos AJJ passou de simples criador de gir a premiado nelorista. Confira abaixo sua trajetória:
Antes do nelore: Tarley Vilela, pai de AJJ e um dos maiores pecuaristas da época, mostra um de seus animais gir para o ex-secretário da agricultura de São Paulo Oscar Thompson (à esq.). Touros mal chegavam aos 600 quilos.
Nova fronteira, nova raça: quando partiu para a carreira solo, em Mato Grosso, Antônio José Junqueira Vilela precisou trocar o rebanho gir da família pelo nelore
Entrada em pista: com um plantel de ponta, chamou a atenção da ABCZ, que o convidou para expor seus animis em pista
Enfim, uma grande campeã: depois de ganhar quatro vezes como melhor criador e outras três como melhor expositor fez, pela primeira vez, uma grande campeã em Uberaba: Obela
Recorde de preço nos leilões: valorizada com o título em Uberaba, Obela foi vendida no leilão Mata Velha: R$ 1,75 milhão por 50% do animal. Recorde do ano e lucros extras ao criador
Agora a estrela é Parla: em 2009 AJJ fez mais uma vez a grande campeã em Uberaba. Mas agora quer faturar com a genética
Nenhum comentário:
Postar um comentário