O governo paulista pretende colocar à venda ao menos 13 fazendas de pesquisa científica voltadas à
agricultura e pecuária, na tentativa de elevar as receitas do Estado. A venda, que tem provocado críticas
de pesquisadores, faz parte de um pacote de alienação de 79 imóveis que tramita em caráter de urgência
na Assembleia Legislativa e prevê levantar R$ 1,43 bilhão. Somente as fazendas vinculadas à Secretaria
de Agricultura deverão representar cerca de 90% desse total.
A proposta foi apresentada em abril aos deputados por meio do Projeto de Lei nº 328, que deverá ser
aprovado até o próximo dia 15.
"Como é de conhecimento, a crise macroeconômica que atinge o país implicou a queda da arrecadação
tributária, com potencial de gerar consequências danosas para o equilíbrio das contas públicas,
notadamente em um cenário no qual é necessário manter investimentos em serviços públicos essenciais
à população", defendeu, em carta à Assembleia, o secretário de governo Saulo de Castro Abreu Filho.
Desde 2013, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), vinculada à Secretaria de
Agricultura, vem mapeando todas as suas propriedades para estabelecer áreas prioritárias e
indispensáveis para a pesquisa e as passíveis de "reordenamento". A agência tem 42 unidades, que
ocupam 16 mil hectares, a maior parte recebida como doação de cafeicultores no início do século
passado.
A análise mostrou que algumas dessas propriedades, em sua totalidade ou de forma parcial, perderam a
serventia para pesquisas, seja por falta de demanda do mercado ou por terem sido "engolidas" por
centros urbanos o que limita o escopo das pesquisas. Nesse contexto, a ação é vista como um ajuste
necessário que, em tese, não afetaria o desempenho dos estudos.
"Temos fazendas muito grandes para a realidade de São Paulo hoje", disse ao Valor Orlando Melo de
Castro, coordenador da Apta. "É pesado manter essas unidades. A grande parte está agora inserida em
centros urbanos, o que elevou os casos de vandalismo e roubos".
Neste primeiro momento, estarão disponíveis ao mercado 1,31 mil hectares em regiões valorizadas como
Araçatuba, Jundiaí, Piracicaba, Campinas e Ribeirão Preto. Mas a própria Apta admite que se trata de
uma versão enxuta do que a agência previa inicialmente há mais opções de desmembramentos de
fazendas, o que abre possibilidades para vendas futuras.
Das 13 fazendas, quatro seriam cedidas integralmente Gália, Brotas, Itapeva e Jundiaí. Só nesses casos,
a venda geraria uma economia de R$ 508 milhões, diz a Apta. Nas demais, o que se pretende é conceder
parte das fazendas às vezes, chegando à metade da área.
Para a classe acadêmica, no entanto, o que está em curso é mais um descaso do Estado com a ciência. A
proposta foi repudiada pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC),
para quem o argumento de que as áreas não têm "utilidade" está mais associado à falta de mão de obra e
recursos financeiros, e não à demanda científica. Joaquim Azevedo Filho, presidente da entidade, afirma
que a academia não foi consultada e alerta que experimentos de décadas serão perdidos. "O próprio
Estado provocou a baixa utilização. Está assim porque há 20 anos não há concurso público para equipes
de campo", diz ele.
Pesquisadores ouvidos pelo Valor mostram que a desvinculação de áreas não será popular nem fácil. Em
Ribeirão Preto, por exemplo, a preocupação é com o destino das pesquisas com biofortificação de leite,
realizadas em Parceria com a Faculdade de Medicina da USP. Segundo Azevedo Filho, o rebanho de 160
animais começou a ser transferido da unidade em novembro e houve uma divisão dos 12 pesquisadores
parte foi para Sertãozinho e outra para Nova Odessa. "Houve um desmonte".
Em Piracicaba, onde metade da área está à venda, não serão apenas os experimentos com cana que
serão afetados. Um projeto de recuperação ambiental da bacia do Ribeirão Guamim cairá, literalmente,
por terra. O ribeirão deságua no rio Piracicaba, que praticamente secou em 2015, no pico da crise hídrica.
Centenas de árvores foram replantadas, e a unidade tem importantes estudos hídricos com impacto direto
na população. "É uma perda irreversível", afirma o pesquisador José Ferreira.
O Estado tem tratado o tema como alienação, ou seja, não necessariamente venda. "Podem ser feitas
parcerias público privadas, trocas. E o governo nos garantiu que o dinheiro será revertido para a pesquisa
através de um novo fundo que será criado", diz Castro.
Segundo ele, a reversão foi "apalavrada" com o governador Geraldo Alckmin (PSDB), ainda que o texto
enviado à Assembleia indique que o dinheiro será para investimentos em programas essenciais à
população. No Brasil, isso não costuma significar investigações científicas de qualquer ordem. Com
informações do Valor.
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