Sérgio Raposo
Pesquisador da Embrapa Gado de Corte, agrônomo com mestrado (1992) e doutorado (2002) pela ESALQ/USP, especialista em nutrição animal, atuação em pesquisa com os seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável. Nas horas vagas, toca violino e, de atividade física, nada! sergio.medeiros@embrapa.br
Uma técnica usada há décadas na pecuária de corte brasileira é a
mineralização do rebanho. Apesar disso, parece que algumas informações
distorcidas ainda prevalecem no meio. O objetivo da lista abaixo é, ao
esclarecê-las, contribuir para o melhor uso da técnica. São dez pontos
que elencamos como “mitos”, ou seja, algo “que não tem existência real
ou passível de ser provada”, conforme uma das definições do dicionário
“Caudas Aulete”. Vamos a eles:
Mito 1: “Sal mineral é tudo igual!” – Um sal mineral é uma
mistura de vários elementos, óxidos e sais à disposição no mercado.
Comprá-los e misturá-los é algo dentro das possibilidades de quase
qualquer terráqueo. Mas, então, por que isso é mito? O que pode
diferenciar um sal mineral de outro? O primeiro ponto seria a formulação
do sal (as quantidades de cada matéria prima visando determinadas
concentrações finais dos nutrientes no produto). Um produto mal
formulado, isto é com níveis de garantia furados e consumo mal
planejado, não será eficaz. Assim, mesmo que o animal o consuma, não
será atingido o objetivo de atender suas exigências minerais. Outra
questão ainda muito mais comprometedora é que existem inúmeras
armadilhas no mercado em termos de matéria-prima. Ainda que algumas
delas possam ser evitadas com uma análise de laboratório, outras podem
ter um laudo perfeito do laboratório, mas o nutriente não ser
assimilável (não ser biodisponível, no jargão técnico). Outros
diferencias seriam: qualidade da mistura, fontes mais nobres de
matéria-prima, tipo de apresentação (granulado, floculado,,,),
resistência ao empedramento e algo que tem feito muita diferença: apoio
técnico da empresa ao produtor.
Mito 2: “O animal sabe que mineral precisa!” – Esse é um dos
mitos mais difusos e duradouros. Já foi amplamente comprovado por
pesquisas que o animal voluntariamente não seleciona minerais dos quais
esteja deficiente. Exatamente por isso que precisamos colocar todos
juntos, de maneira bem formulada para que eles os consumam. Como o sódio
é o único mineral que efetivamente o animal mostra desejo em consumir, o
cloreto de sódio virou o veículo ideal para ajudar nesta tarefa (Ver
Mito 5).
Mito 3: “O mineral que importa no sal, mesmo, é o fósforo” –
Segundo um extenso levantamento realizado pela Embrapa Gado de Corte,
100% das forrageiras analisadas teriam valores muito baixo de sódio
(< 0,1% da matéria seca), que predisporiam deficiência. Nesta mesma
pesquisa, o fósforo ficou em quarto lugar, com 72% das amostras abaixo
de 0,12% da matéria seca. Zinco, com 96% das amostras menor do que 20
ppm (2º lugar), cobre com 82% menor que 4 ppm (3º lugar) e Cálcio com
38% menor que 0,2% da matéria seca (5º lugar), completam a lista. Não
foram avaliados nesta pesquisa Cobalto, Iodo e Selênio, todos com
histórico de deficiência e resposta a suplementação no Brasil. Fica
claro, então, que o fósforo não é o único mineral que devemos nos
preocupar. Como todos podem limitar a produção, devemos nos preocupar
com cada um deles, bem como nos preocupar que estejam balanceados, sem
grandes excessos que possam predispor a problemas de absorção (um
mineral em excesso, prejudicando a absorção de outro).
Mito 4: “Quanto maior a concentração em minerais, melhor é o sal! Esse é o critério que eu uso na compra!” –
Ao comparar dois produtos é comum o produtor optar por aquele que tenha
valores de níveis de garantia dos nutrientes mais altos. A lógica seria
que, se eles têm maiores concentrações, o animal vai ter mais desse
mineral a disposição. O que “fura” essa lógica é o consumo! Se o sal tem
90 gramas de fósforo por quilograma do produto isso apenas significa
qual a concentração dele e não quanto está à disposição do animal, o que
vai depender da quantia que ele ingere desse sal mineral. Assim, se
esse sal tem um consumo de 60 gramas/cabeça.dia, o consumo de fósforo
pelo animal é de 5,4 g/cabeça.dia. Um sal com 88 de fósforo por
quilograma do produto, mas com consumo de 70 gramas/cabeça.dia, suprirá
com 6,16 gramas de fósforo por dia ao animal, quase 1 g a mais do que o
de 90. Portanto, lembre-se: o animal não come concentração, ele come o
sal!
Mito 5: “Só o sódio basta para acertar o consumo” – Esse é um
mito que todo nutricionista gostaria de acreditar, pois a única forma
de formular o sal é considerar que isso é verdade. Enfim, precisamos de
uma referência e a melhor que temos é o teor de sódio. Esta referência
até funciona bem, no sentido que ao fazermos a média de muito dados de
consumo, há uma convergência para que o valor obtido se aproxime daquele
que atende as exigências de sódio. Assim, para estimar a o consumo de
um mineral bastar identificar qual o consumo necessário para atender as
exigências de sódio. Por exemplo, considerando como 10 g de Sódio a
exigência de uma unidade animal (um animal com 450 kg), se o sal
fornecido a ele tem 200 g de sódio por quilograma do produto, o consumo
esperado deste produto é de 50 gramas/cabeça.dia, O cálculo é uma “regra
de três”: Se em 1 kg do produto temos 200 g, quantos quilos do produto
preciso para ter esses 10 g ou, simplesmente, 10 g/cab.dia dividido por
200 g Sódio/kg produto = 0,05 kg produto.
Mito 6: “Regulando o consumo pelo teor de sódio, não há necessidade de monitorar o consumo” –
O problema dos nutricionistas precisarem tanto desta referência é que
ele passa, muitas vezes, a ser tido como uma referência absoluta. A
realidade nos mostra que o consumo de minerais é muito variável e que
essa variabilidade é pouco previsível. O que esta realidade nos impõe é
monitorarmos o consumo, de preferência, de piquete à piquete e, na pior
das hipóteses ter a média da fazenda no ano. (neste link há um exemplo
deste cálculo: http://sites.beefpoint.com.br/sergioraposo/2013/12/26/cinco-dicas-basicas-para-ter-uma-producao-melhor-em-2014/)
Mito 7: “As empresas usam palatabilizantes para aumentar consumo” –
O consumo de minerais interessa, sim, às empresas, pois quanto maior
for o consumo, maiores serão suas vendas. Todavia, não há pior
propaganda para uma empresa do que ela ter sais minerais com fama de
alto consumo, pois isso é um fator altamente desestimulante para os
compradores. Aliás, nunca há reclamação por consumo abaixo do valor
recomendado, apenas quando ele fica acima. Ocorre que o maior prejuízo
ao pecuarista, em geral, ocorre por não aproveitar todo o benefício de
“zerar” as deficiências minerais. Dessa forma, é interessante que algum
palatabilizante seja utilizado na formulação. Adicionalmente, resultados
de pequisa mostram que ele ajuda a uniformizar o consumo, o que é muito
desejável. (Mais informações sobre consumo uniforme do lote no texto: http://sites.beefpoint.com.br/sergioraposo/2013/09/17/mineralizacao-de-animais-em-pastagem-assunto-encerrado/)
Mito 8: “Mineralizar faz diferença mesmo na seca!” – As vendas
de sal mineral aumentam na época que antecede a estiagem, mostrando
claramente que o produtor tem aumentada sua preocupação em vista dos
pastos mais pobres da seca. A crença por trás disso seria que, uma vez
que a pastagem teria níveis mais baixos de minerais (o que é fato),
consequentemente seria necessário dar mais minerais ao animal para
compensar. Todavia, o que acontece na seca é que não adianta fornecer
apenas os minerais, pois o nutriente mais limitante é a proteína. Há,
inclusive, dados de pesquisa mostrando não haver diferença entre
fornecer sal mineralizado e apenas sal branco aos animais na época da
seca. A lógica é que a exigência dos minerais para manter ou perder peso
na seca é tão baixa que o pouco que tem na pastagem já resolve. O
conceito importante aqui é o seguinte: Quanto maior a produção, maior a
necessidade de nutrientes (inclusive minerais). Por isso que a hora que
mais se deve preocupar com a suplementação de minerais é nas águas. Na
seca, também devemos, mas usando sal com ureia e proteinado, resolvendo
primeiro o fator mais limitante.
Mito 9: “Se não usar cocho coberto, melhor nem mineralizar!” –
Cochos cobertos, bem assentados, bem localizados, que não fiquem
ilhados por acúmulo de água ajudam muito os lotes por eles atendidos
a terem bom consumo e devem ser o padrão a ser atingido. Todavia, o pior
cenário não é ter o sal mineral molhado pela chuva, mas a falta de
espaço linear mínimo de cocho. Recomenda-se oferecer no mínimo 6 cm
lineares de cocho para cada unidade animal atendida por esse cocho.
Entre ter o sal preservado da chuva e dar acesso ao sal a todos os
animais, mesmo que molhado, dê preferência à segunda opção. Ainda assim,
ao usar cochos não cobertos, é aconselhável ter um monitoramento (e
abastecimento) mais intensivo, uma vez que a umidade ajuda a empedrar o
sal, o que prejudica seu consumo.
Mito 10: “Bobagem gastar com sal mineral! Um amigo parou de mineralizar e não notou diferença nenhuma!” –
Esse é um mito para o qual basta o tempo para que seja derrubado. As
vezes, nos deparamos com alguém que está fazendo esse “teste” e é
possível que, em algum lugar no Brasil, de fertilidade natural muito
alta e que o produtor se contente com índices produtivos medíocres que o
“teste” funcione por um bom tempo, alongando a “vida útil” do mito. O
confronto entre os níveis usualmente encontrados dos minerais nas
forragens brasileiras e a exigência cada vez maior, a medida que
melhoramos o manejo das pastagens e a genética dos animais, fazem com
que possamos esperar que cada vez mais esses tipo de “teste” dure menos.
Um bom uso da técnica de suplementação mineral permite o
aproveitamento de todo potencial produtivo da forragem. Ajudar esse
aliado da produção a nos ajudar é altamente compensador. Ter esses
conceitos corretos na ponta da língua ajudam a deixar o sal na ponta da
língua dos animais e o azul mais vivo na conta da fazenda.
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